Desde a aprovação da Lei do Feminicídio, há dez anos, o Brasil registrou pelo menos 11.859 vítimas desse crime, conforme dados de janeiro deste ano do Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em 2024, o Brasil atingiu o maior número de casos da série histórica, com 1.459 vítimas, superando os 1.448 registros do ano anterior. Os estados do Piauí, Maranhão, Paraná e Amazonas apresentaram o maior aumento de casos por 100 mil habitantes de um ano para o outro.
A Lei do Feminicídio, sancionada em 9 de março de 2015, modificou o Código Penal para tipificar esse crime, abrangendo assassinatos de mulheres em contextos de violência doméstica, familiar ou motivados por misoginia.
Cyntia Carvalho e Silva, delegada no Distrito Federal e doutora em sociologia, afirma que a lei trouxe visibilidade a casos que sempre ocorreram, permitindo um acompanhamento mais eficaz e a criação de políticas públicas. Ela acredita que o aumento dos casos nos últimos anos é consequência do crescimento da violência e do aprimoramento na investigação e classificação desses crimes pelos estados. No Distrito Federal, por exemplo, um protocolo exige que todas as mortes violentas de mulheres sejam inicialmente tratadas como feminicídio. Caso a investigação aponte outra causa, o crime é reclassificado.
Géssica Moreira de Sousa, 17, foi uma das vítimas de feminicídio no Brasil. Ela foi assassinada com um tiro na cabeça no Distrito Federal. O principal suspeito é seu ex-companheiro, Vandiel Próspero da Silva, de 24 anos. O crime aconteceu em uma igreja, na presença da filha do casal, de apenas dois anos. Vandiel foi preso na Bahia.
Em 2024, a mudança na legislação fez com que o feminicídio deixasse de ser uma qualificadora do homicídio e passasse a ser tipificado como um crime autônomo, com penas variando de 20 a 40 anos de prisão. Quando há agravantes, a pena pode chegar a 60 anos, tornando o feminicídio o crime com a maior punição prevista no Brasil. A chamada “Lei do Pacote Antifeminicídio” também promoveu mudanças na Lei Maria da Penha, no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal.
Juliana Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, considera que a nova lei é um avanço, especialmente ao reconhecer o feminicídio como crime autônomo, com uma dinâmica processual própria. Ela destaca que essa mudança, junto ao aumento das penas, tem um forte simbolismo, mostrando que o país está tratando a questão com seriedade. No entanto, a promotora de Justiça de São Paulo, Valéria Scarance, observa que ainda há uma subnotificação de casos, com feminicídios tentados ou consumados sendo registrados como outros crimes. Ela enfatiza a importância de melhorar a coleta de dados para aprimorar as políticas públicas de prevenção.
A delegada Dannyella Pinheiro, da 3ª Delegacia de Defesa da Mulher Oeste de São Paulo, destaca as ações importantes tomadas nos últimos dez anos, como a decisão do STF de 2023 que declarou inconstitucional o uso da defesa da honra em casos de feminicídio ou agressão contra mulheres. Ela defende a implementação de medidas preventivas, como campanhas de conscientização para incentivar as mulheres a denunciar e alertar os homens sobre o endurecimento das leis.
A violência doméstica, segundo ela, continua sendo um grande desafio, pois muitas mulheres acreditam que o agressor pode mudar e hesitam em denunciar por questões como filhos ou dificuldades financeiras. Portanto, ela acredita que o Estado deve oferecer uma rede de apoio eficaz antes que o caso evolua para o feminicídio.
Iniciativas dos Estados e Governo Federal
A Secretaria de Segurança Pública do Maranhão informou que, em 2024, o estado conta com 23 Delegacias da Mulher e está implantando Núcleos de Combate à Violência contra a Mulher em novas delegacias.
No Paraná, os dados são atribuídos ao aumento das investigações e repressão qualificada, com destaque para a operação “Mulher Segura”, realizada nas 20 cidades com os piores índices de violência. Esta operação inclui ações como o aumento do policiamento e palestras comunitárias.
O Amazonas afirmou que tem intensificado as ações repressivas, ostensivas e investigativas contra o feminicídio, além de promover ações educativas por meio da Ronda Maria da Penha e da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública anunciou, em nota, que em 2024 destinou R$ 116 milhões para ações de defesa da população feminina nos estados e no Distrito Federal. Além disso, iniciou o financiamento para a construção de 12 Casas da Mulher Brasileira, com o objetivo de chegar a 40 até 2027.
Em 2024, o Ministério coordenou as operações Átria e Shamar, voltadas ao combate à violência contra mulheres, e destacou o programa “Antes que Aconteça”, que visa garantir a segurança e proteção das mulheres.
Principais Mudanças na Lei em 2024
- Código Penal
- Crime Autônomo: O feminicídio deixou de ser uma qualificadora do homicídio e passou a ser um crime autônomo, com pena de 20 a 40 anos de reclusão.
- Agravantes: A pena pode ser aumentada se o crime ocorrer durante a gestação, no pós-parto, ou em situações específicas de vulnerabilidade da vítima.
- Perda de Cargo: Pessoas condenadas por feminicídio não podem ser nomeadas para cargos públicos até o cumprimento integral da pena.
- Aumento de Penas: As penas para crimes como lesão corporal e ameaça são dobradas se cometidos contra a mulher por razão de gênero.
- Lei de Execução Penal
- Visita Íntima: Condenados por crimes contra a mulher perdem o direito a visitas íntimas e podem ser monitorados eletronicamente durante saídas temporárias.
- Progressão de Pena: O direito à progressão de regime é condicionado ao cumprimento de 50% da pena para primários e 70% para reincidentes.
- Código de Processo Penal
- Prioridade Processual: Processos que envolvem violência contra a mulher têm prioridade de tramitação.
- Lei dos Crimes Hediondos
- O feminicídio foi explicitamente listado como um crime hediondo.
- Lei Maria da Penha
- A pena por descumprimento de medidas protetivas foi aumentada de 3 meses a 2 anos para 2 a 5 anos de detenção.
Essas mudanças visam tornar mais rigoroso o tratamento jurídico e institucional do feminicídio, buscando uma resposta mais eficaz à violência de gênero no Brasil.