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Crianças da pandemia chegam aos 5 anos, e a Covid ainda deixa marcas



Uma das primeiras palavras que Flora disse foi “maca”, querendo se referir a “máscara”. Ela chorava sempre que um dos pais colocava a máscara no rosto, sabendo que isso significava que eles sairiam de casa, e ela ficaria com saudades. Flora nasceu no dia 11 de março de 2020, no mesmo dia em que a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou a pandemia de Covid-19. Nos cinco anos seguintes, o vírus causou a morte de pelo menos sete milhões de pessoas no mundo, incluindo 715 mil brasileiras.

Flora passou mais da metade de sua vida no contexto pandêmico, considerando que a OMS só anunciou o fim da emergência global de saúde em maio de 2023.

Agora, em 2025, Flora vai comemorar seus cinco anos com uma festa compartilhada com sua irmã caçula, Laura, que logo completará dois. Um dos possíveis temas da festa é “Joelsa”, uma mistura entre Joelma — cantora paraense que Laurinha adora, especialmente a música onde ela canta que vai “tomar um tacacá” — e Elsa, a rainha do gelo da animação Frozen.

O primeiro aniversário de Flora, no entanto, foi bem diferente. O bolo decorado com caranguejos, sereias e outros seres do mar, feitos de glacê, mal foi degustado. Apenas os avós paternos e um casal de amigos estiveram presentes. O restante dos convidados a viu por meio de uma chamada de Zoom, marcada no mês mais letal da pandemia até aquele momento, com quase 4.000 mortes diárias por Covid.

A cada dia, cerca de 250 mil brasileiros nasceram naquele março, em meio a uma crise sanitária que transformou a vida de todos, deixando marcas profundas na saúde física e mental de muitas pessoas, especialmente entre as crianças.

Impacto psicológico durante e após a pandemia

Durante o cuidado de Flora, os pais psiquiatra Pedro Ferreira, de 38 anos, e a psicóloga Camila Anezi, de 37, observaram a deterioração da saúde mental, tanto em seus pacientes quanto entre médicos que estavam na linha de frente da pandemia. Eles notaram casos de aumento no consumo de álcool e uma forte incidência de depressão.

A ansiedade, diz Camila, foi um dos maiores desafios. “O medo da contaminação e de sair de casa para comprar algo eram assustadores. As pessoas temiam que qualquer descuido resultasse na morte de um ente querido”, lembra. Além disso, o luto não pôde ser vivido de forma plena. Camila perdeu parentes em outro estado e lamenta não ter podido abraçar uma amiga que velou o pai, vítima de outra doença, mas que, por conta da pandemia, não pôde realizar os rituais fúnebres tradicionais.

A fisioterapeuta Sayure Pianco de Oliveira Silva, 25, também enfrentou dificuldades durante a pandemia. Sua filha Malu nasceu prematura no dia 10 de março de 2020, véspera da declaração de pandemia pela OMS. “Minha mãe tem problemas cardíacos e usa um desfibrilador. Malu nasceu prematura, e isso me deixou muito ansiosa. Acabei desenvolvendo depressão pós-parto”, conta. Para lidar com a situação, ela precisou de antidepressivos, pois estava sobrecarregada com a preocupação constante sobre a saúde de sua filha e de sua mãe.

O primeiro aniversário de Malu, por conta da quarentena, foi comemorado quase um mês depois, em um formato drive-thru, onde os convidados chegavam de carro, usavam máscaras, tiravam fotos e entregavam presentes de maneira rápida e segura.

Desafios para as crianças durante a pandemia

Os primeiros anos de vida são considerados cruciais para o desenvolvimento, como afirma Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, dedicada à primeira infância. Durante a pandemia, muitos filhos cresceram em um ambiente de isolamento social, longe das interações com outras crianças e de atividades essenciais. “A qualidade das interações e do ambiente nessa fase impacta diretamente no desenvolvimento da criança, com consequências para toda a vida”, diz Mariana.

O uso excessivo de telas e uma alimentação desequilibrada, com muitos alimentos ultraprocessados, tornaram-se alternativas para os pais que enfrentavam o isolamento social sem uma rede de apoio. Para Mariana Luz, apesar dos prejuízos, a boa notícia é que o cérebro infantil tem uma maior plasticidade, o que permite que muitas crianças que tiveram algum tipo de regressão comportamental possam se recuperar com estímulos positivos.

Estudo da Fundação Maria Cecilia, realizado em parceria com a consultoria Kantar, revelou que 27% dos cuidadores notaram algum tipo de regressão no comportamento de seus filhos durante o isolamento. Além disso, muitos relataram que as crianças estavam mais agitadas e choronas.

A educação e a violência entre as crianças

Com o fechamento das escolas, muitas crianças ficaram sem aulas por um longo período — em média, 1,5 ano, mais tempo do que a maioria dos outros países. Kédima Martins, 38, professora da rede pública de Ribeirão Preto (SP), teve que lidar com os impactos dessa interrupção. Ela alfabetizou seu filho de seis anos em casa, mas observou que muitos de seus alunos, pós-pandemia, apresentaram mudanças no comportamento.

“Os docentes notaram um aumento na violência entre as crianças. Tive que separar uma briga em que uma criança jogou um balde de lixo em outra, e eu acabei levando uma pancada nas costelas”, relata Kédima.

Os desafios continuam

Cinco anos após o início da pandemia, os impactos continuam a se fazer sentir. A infectologista e epidemiologista Luana Araújo destaca que os efeitos da pandemia não se limitaram à saúde física, mas afetaram a saúde mental, o aumento de doenças crônicas e a demanda reprimida por serviços médicos. Ela acredita, no entanto, que o Brasil fez avanços importantes na preparação para futuras crises sanitárias, como a melhoria dos sistemas de vigilância e a democratização do acesso a testes.

“A pandemia nos ensinou muito, especialmente sobre a importância de uma resposta rápida e eficaz à detecção de novos patógenos”, afirma Luana.

Embora a pandemia tenha causado perdas imensuráveis, a vida seguiu em frente. Agora, em 2025, crianças como Edson, que nasceu durante a pandemia, estão prestes a completar cinco anos e terão festas inspiradas em desenhos como “Bluey” e “Lilo & Stitch”. Flora celebrará seus cinco anos com o tema “Joelsa”, e Malu se inspirará em “Lilo & Stitch”. Uma prova de que, mesmo após tantas adversidades, a vida continua a se renovar.


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