Geral

Projeto imobiliário põe sob ameaça a Lagoa da Anta

Em meio ao emaranhado de prédios, o exemplo de uma agenda verde da exploração do turismo de alto padrão convivendo em harmonia com o meio ambiente resiste com bravura há 44 anos dentro e nos arredores do Hotel Jatiúca, em Maceió. Todo esse conceito norteado a partir de sua adequação ao ambiente foi construído e parece estar com os dias contados. A proposta multimilionária de transformar o Jatiúca em uma ‘selva de pedras’ pode deixar tudo isso apenas como uma boa e velha lembrança de um saudoso passado e de uma eventual falta de compromisso ambiental.

Em 1979, o então prefeito de Maceió, Fernando Collor, reuniu-se com a empresária Helena Lundgren, vencedora do edital e conhecida como a grande dama do varejo das Casas Pernambucanas. Collor manifestou seu interesse em atrair para a capital alagoana um grande resort que ofertasse o combo de belezas naturais, o serviço de alto padrão e o compromisso ambiental. Dona Helena se encantou com a proposta e topou imediatamente o desafio. As obras do hotel foram iniciadas rapidamente e, já na pré-temporada de 79, o Jatiúca começou a recebeu os hóspedes. O hotel colocou a cidade de Maceió no roteiro nacional e internacional do turismo.

“Preservamos o manancial que abastece a própria Lagoa da Anta, e rejeitamos qualquer possibilidade de transformar a ideia de se fazer o resort em uma possibilidade de um espigão. Esse conceito ficou muito bem assimilado pela Dona Helena Lundgren e sua equipe. E todo o projeto foi seguido à risca. Observe o Jatiúca e veja que são apenas dois andares com varandas e sem elevadores. Até hoje, graças a esse compromisso, a Lagoa da Anta segue viva, com uma beleza única. A construção do hotel preservou os coqueiros e, para cada um coqueiro que tivesse de ser derrubado, foram plantados outros 10. Então, tivemos toda uma especial preocupação para impulsionar o turismo de nossa cidade, mas com respeito à natureza. Temos que estar atentados para que projetos sem essa visão de compromisso transforme o Jatiúca em uma selva de pedras”, afirmou Collor.

Com o sucesso do Hotel Jatiúca, voos fretados da Transbrasil desembarcavam em Maceió com empresários do eixo Rio-São Paulo, artistas, personalidades internacionais e até jogadores da seleção brasileira de futebol. Jornais da época descrevem que os hóspedes ficam encantados com o Jatiúca e faziam a propaganda boca a boca. Agências de viagens de todo o País também brigavam para hospedar seus clientes. A imprensa nacional apontava Maceió como “a nova Meca do Turismo do Nordeste” e destacava o hotel como um “case de sucesso à prova de crise, com taxas de ocupação de 100%”.

“Querem colocar o Hotel Jatiúca abaixo para construir espigões, mas a quê custo? Temos que preservar esse patrimônio de Maceió e de Alagoas. Temos que preservar a Lagoa da Anta e o seu manancial, a nossa história. O que estão planejando fazer é uma agressão brutal ao meio ambiente. Pelo que vem sendo divulgado, a proposta em curso pretende erguer unidades com vários andares e garagens subterrâneas. Os órgãos de controle (MPE, IMA, IBAMA) precisam acompanhar bem de perto e participar ativamente dessa discussão. Todo o conceito ambiental – a lagoa e as árvores frutíferas – deve ser preservado”, disse Collor.

Na edição da Gazeta de 16 de outubro de 79, data que se celebra a emancipação de AL, o Hotel Altesa Jatiúca publicou um anúncio falando sobre a construção de um monumento para o futuro, com uma urna, onde foram depositadas mensagens de personalidades – Foto: Reprodução

A DAMA DO VAREJO

Helena Lundgren morreu em 1990. Conforme publicação do Agenda A, durante anos na Suíça, já doente, Helena pedia a filha detalhes sobre o funcionamento do hotel pelo qual tinha apreço, especialmente sobre a vegetação, natureza, a lagoa e os funcionários. Há 27 anos, familiares disputam a herança. A filha de Helena, Anita Harley, está em coma há sete anos.

Especialistas ambientais e engenheiros ouvidos pela Gazeta demonstram preocupação com o que pode surgir no lugar do hotel. Eles alertam, por exemplo, que a agressão que a Lagoa da Anta vai sofrer nunca mais será revertida.

Detalhes da compra/venda do empreendimento não foram revelados, sob o pretexto de que cláusulas contratuais inviabilizam a divulgação, aumentando as especulações. A grande preocupação dos especialistas e dos órgãos de controle é de que a região perca a identidade urbanística, ambiental, cultural e paisagística, levando em consideração as particularidades ali encontradas.

O arquiteto e urbanista Dilson Ferreira é morador da parte baixa de Maceió e conhece bem as nuances envolvendo a área onde está instalado o Hotel Jatiúca. Ele considera o trecho como sendo de uma enorme sensibilidade ambiental pela presença da Lagoa da Anta.

“Com a instalação, em 14 de novembro de 1979, o Hotel Altesa Jatiúca tornou-se um ícone da época, exemplo único de arquitetura para o Nordeste. Há ali uma memória afetiva, cultural e uma grande preocupação do ponto de vista ambiental”, destacou Ferreira.

Ele se diz preocupado com aquela área sofrer uma transformação, por considerá-la um patrimônio da cidade. E alertou que qualquer mudança precisa ser adequada no sentido de manter a sensibilidade ambiental e/ou melhorar a paisagem que se tornou referência. Afinal de contas, ao se referir à Lagoa da Anta, aquele é o último resquício de lagoa do litoral de Maceió.

“Ficamos apreensivos porque não sabemos que empreendimento será esse. Falam que será bom e que contribuirá para a cidade. Se isso acontecer, deveríamos saber o que é, pelo menos, pois temos exemplos ruins de implantação desses empreendimentos em ambientes sensíveis, próximos a lagoas”, avisou, recordando que a Lagoa da Anta era utilizada pela população, era limpa e tinha uma variedade de peixes.

Na avaliação do advogado e ambientalista Alder Flores, qualquer intervenção urbana necessita atender aos requisitos legais, urbanísticos e ambientais. Neste caso específico, ele informou que um estudo de impacto ambiental seria indispensável, com direito a audiências públicas para que os órgãos de controle e a sociedade civil tomem conhecimento do projeto e emitam uma opinião pró ou contra a iniciativa.

“Embora a audiência pública seja meramente consultiva e não deliberativa, alguns argumentos apresentados podem e devem ser considerados pelos órgãos e pela construtora. Além desse estudo de impacto ambiental, eu diria que era preciso dispor de um estudo de impacto de vizinhança aliado ao estudo de trafegabilidade, que, fatalmente, será influenciada na região”, frisa.

Flores foi secretário de meio ambiente de Maceió e lembra que o Plano Diretor da cidade, embora desatualizado, está válido e há regras a serem cumpridas. Segundo ele, há uma série de questões técnicas, jurídicas e administrativas que serão [ou deverão ser] avaliadas neste negócio, sempre observando com bastante cautela a lagoa visando à sua preservação.

“Antes de haver qualquer manifestação, é necessário entender que os empreendimentos não são instalados ao arrepio da lei. Há órgãos ambientais, o Ministério Público e órgãos municipais que precisam ser consultados. A prefeitura é a primeira a ser acionada porque autoriza o uso e ocupação do solo. Se essa liberação não acontecer, nenhum órgão ambiental concederá licença para construção e funcionamento”, explicou.

Apesar de não saber o que, de fato, será feito com o Hotel Jatiúca, caso a venda seja aprovada, o ambientalista reforça que a área é ecologicamente frágil e reúne elementos singulares, além de conter uma lagoa e estar localizada à beira-mar. Estes fatores são, para ele, motivos de preocupação a depender do projeto e das medidas de controle ambientais, urbanísticas e paisagísticas, que ainda não foram publicizadas.

“Não seria nada demais dizer o que será feito no local. Hoje, temos tecnologia para atender os requisitos ambientais e urbanísticos. Todos nós fomos pegos de surpresa pelo anúncio da venda. Avalio que tudo precisa ser mais transparente e balizado na lei”, comentou.

SEM DISCUSSÃO – A doutora em estudos urbanos Regina Lins tem pesquisa concluída sobre o sistema de vazios urbanos do Litoral Norte de Maceió e critica a ausência de consultas públicas sobre as transformações pelas quais a cidade passa, sobretudo na orla. Ela também se diz ansiosa e preocupada com tudo o que tem acontecido com o solo urbano da capital, cujas consequências só são conhecidas quando consumadas.

“O hotel circunscreve bens de interesse comum – Lagoa da Anta, praia e mar. A prefeitura deve-nos um plano diretor que deveria encarar a questão. É claro que a construtora não comprou o hotel para fazer um parque. Agora, se comprou, por exemplo, para fazer cinco torres de 20 andares com 300 apartamentos cada, quem permite isso? É a prefeitura que tem o poder de decidir sobre o uso e ocupação do solo. Só o governo municipal pode alterar o potencial de construção de uma área grande como aquela”, avaliou.

Márcio Rapôso foi chamado para negociação

Referência no mercado imobiliário há quatro décadas, o empresário Márcio Rapôso revelou, à Gazeta, que esteve recentemente em São Paulo e se reuniu com sócios do grupo Lundgren, interessados, segundo ele, na venda do Hotel Jatiúca. A oferta foi feita, mas a conversa degringolou. A negociação custaria centenas de milhões de reais.

Rapôso disse que desistiu da transação por acreditar que faltou discussão ampliada e observância à legislação.

“O Hotel Jatiúca é um ícone no estado. Então, eu fui chamado há uns quatro meses para participar de uma possível negociação. Fui recebido pelo empresário que tinha o interesse em vender, mas argumentei com ele que não tinha condições de fechar o negócio da maneira como se expôs. Foi dada uma condição de pagamento e avisei que não era viável, afinal de contas, não se pode transformar aquela área em uma selva de pedras”, evidenciou.

Para o empresário, a transformação da área não pode ser feita à revelia, agredindo o meio ambiente e por um valor absurdo. “Antes de projetar, precisava-se ouvir o Estado e a prefeitura, que são proprietários dali, já que houve uma doação anos atrás. Se doaram, exigências foram feitas até por conta da Lagoa da Anta, que foi quem promoveu o desenvolvimento do turismo da cidade na década de 1980”, acrescentou.

Segundo ele, os empresários que estão à frente do negócio queriam ser rápidos na compra, mas deixaram de fazer o dever de casa, que seria ouvir a sociedade e consultar os órgãos públicos.

“As coisas foram feitas de maneira crua e não me surpreendeu em nada a maneira como foi anunciada. Quando me chamaram para a negociação, eu fui lá com responsabilidade, apresentei uma proposta com planejamento e sem deixar de lado o cartão-postal que é o hotel, mas isso não evoluiu da maneira como eles queriam”, frisou.

MP quer ver o projeto para tomar providências

Nesta semana, a Promotoria de Justiça de Urbanismo do Ministério Público de Alagoas instaurou notícia de fato para averiguar os riscos de degradação paisagística com o novo empreendimento planejado para substituir o Hotel Jatiúca.

O órgão ministerial enviou ofícios à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) e aos representantes das empresas envolvidas no negócio estipulando prazo de 15 dias para que enviem o projeto a ser executado na região. Após conhecer a intenção, o promotor Jorge Dória informou que adotará as providências necessárias para evitar impactos à ordem urbanística.

“A preocupação, quando vi na imprensa, é sobre a possibilidade de desconfiguração daquela paisagem. O aspecto paisagístico é protegido por lei e ali é um cartão-postal de Maceió. Um local que se transformou numa coisa plausível, não só pelo hotel em si, mas pela composição de vários fatores, envolvendo praia, lagoa e a natureza como um todo”, esclarece o promotor.

Assim como os especialistas, Dória diz não saber qual empreendimento será implantado, mas adianta que, se a construtora se propuser a construir torres ali, o ambiente tenderá a ser desconfigurado.

“A grosso modo, minha atuação é para proteger um bem de valor cultural, paisagístico, urbanístico. Nada contra o hotel. Neste primeiro momento, verificarei o que verdadeiramente se pretende fazer. Se houver a perspectiva de alteração e prejuízos aos interesses do bem, o MP vai se colocar contra. A questão da legalidade do contrato poderá ser analisada pela Promotoria da Fazenda Pública, se houver necessidade”, confirmou.

Construtora diz que espaço será democrático e moderno

À Gazeta, um dos sócios da Construtora Record, uma das empresas que estão em negociação para comprar o Jatiúca, informou que a negociação foi iniciada há mais de um ano e a área dará lugar a um novo espaço, que será “mais democrático e moderno. A marca Jatiúca não vai sumir e vai evoluir no quesito turismo”. Apesar das diversas tentativas, a Record não revelou qual é a ideia do projeto em discussão.

Valores negociados e detalhes do projeto não foram revelados, pois “quebraria acordo” firmado entre construtora e o hotel. O que se pode revelar é que o projeto será voltado para turistas e alagoanos. “Um marco diferencial”, disse um dos sócios.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) informou que ainda não recebeu notificação oficial por parte do Ministério Público do Estado de Alagoas referente à venda do empreendimento de hospedagem, localizado no bairro da Jatiúca. “O órgão reafirma seu compromisso e se coloca à disposição para buscar soluções em prol do bem-estar e do desenvolvimento sustentável e urbano da cidade”, disse, em nota.

O Instituto do Meio Ambiente (IMA) comunicou que enviou ofício à Prefeitura de Maceió solicitando mais informações e está acompanhando a situação. O Ministério Público Federal (MPF) e o Ibama não se pronunciaram.

GazetaWeb


Avatar

admin

About Author

Dá uma olhada

Geral

Avenida Walter Ananias, no Jaraguá ficará interditada a partir desta quarta (04)

  • 3 de janeiro de 2023
A partir desta quarta-feira (04) às 8h, a Avenida Walter Ananias, no Jaraguá, será interditada de forma emergencial para as
Geral

Em Alagoas, mais de 370 mil eleitores estão com o título cancelado

  • 4 de janeiro de 2023
Em Alagoas, mais de 370 mil eleitores não votaram nem justificaram sua ausência às urnas por três eleições consecutivas e